A constipação intestinal na infância é um quadro clínico muito comum. Para se ter ideia, cerca de 5 a 12% de todas as queixas iniciais em consultas de pediatria estão relacionadas a esse assunto, chegando a quase 40% em alguns centros de atendimento em Gastrenterologia infantil.
O diagnóstico tardio é o principal motivo das complicações e sintomas relacionados a essa condição. Parte disso ocorre pelo desconhecimento do hábito intestinal fisiológico nas diversas faixas etárias da pediatria, tanto pelos pais e cuidadores como por profissionais de saúde da família e pediatras gerais.
A frequência das evacuações e a consistência das fezes pode variar de acordo com a idade, o histórico alimentar de cada paciente, a quantidade de atividade física realizada por ele e também sua história familiar.
Sabemos que o recém-nascido apresenta nos primeiros dias de vida fezes meconiais, de aspecto gelatinoso e escuro-esverdeadas, que devem estar presentes já nas primeiras horas.
O atraso na eliminação dessas fezes pode revelar alguma alteração anatômica, inervações da parede intestinal ou até mesmo rolhas de fezes que podem estar impactadas na porção final do intestino
Os lactentes são um grupo particular onde a história alimentar, assim como a idade, podem modificar muito o aspecto e a frequência evacuatória.
O leite materno pode levar à formação de fezes semilíquidas a semipastosas com cor variando entre o amarelo claro até o alaranjado e, dependendo do trânsito intestinal, podem ficar bem esverdeadas.
A frequência também varia muito, desde evacuações diárias uma a sete vezes ao dia, como também podem permanecer até próximo de dez dias sem evacuar. Isto acontece porque a constituição do leite materno varia de mãe para mãe.
Já em lactentes em uso de fórmulas lácteas, o hábito intestinal tende a se manter mais regular com evacuações diárias em torno de uma a duas vezes ao dia e com a consistência mais firme.
Neste grupo dos lactentes, considera-se também a imaturidade do intestino como um fator contribuinte na irregularidade intestinal. Sabe-se que até o quinto mês de vida podem acontecer variações importantes no funcionamento do intestino tanto no que se refere à absorção da mucosa intestinal, quanto à motilidade.
Aos seis meses, segundo orientação da Organização Mundial de Saúde e do Ministério da Saúde, deve-se iniciar a introdução de novos alimentos. É neste momento que podem aparecer os primeiros sinais e sintomas de constipação intestinal.
Outra época em que há um aumento significativo do desenvolvimento da constipação intestinal é o desfralde. A idade da retirada de fraldas varia de criança para criança, acontecendo normalmente após os dois anos de idade.
Coincidentemente, é neste momento a criança começa a verbalizar e entender as sensações relacionadas ao ato evacuatório e suas significâncias.
E aí, a rotina alimentar, a ingesta regular de líquidos e fibras, a forma como a família inicia o processo e lida com as fezes que a criança passa a mostrar e “oferecer” podem influenciar na regularidade das evacuações e no aspecto destas, iniciando um quadro de retenção fecal.
A fase anal se inicia aos dois anos de idade e passa por dois estágios: dos 2 aos 3 anos, e aos 4 anos. Aqui, há uma focalização mental dos movimentos esfincterianos, percebendo prazer nas sensações aprendidas de segurar e liberar os esfíncteres e no produto final deste controle aprendido, que são as fezes.
Não é incomum vivenciarmos circunstâncias constrangedoras e, para alguns, repugnantes relacionadas às fezes e ao ato evacuatório. Bebês que pegam as fezes para mostrar aos adultos, que passam a mãozinha na região anal e sentem curiosidade em relação ao cheiro e consistência e muitas outras situações são normais.
Essa etapa, quando mal resolvida ou conduzida de forma negativa, pode causar problemas físicos e principalmente psíquicos à criança que perduram até a vida adulta. Os mais comuns são:
Em virtude do comportamento retentivo da evacuação, aprendido pelas crianças nesta fase, a mucosa colônica absorve a água das fezes e estas se tornam progressivamente mais ressecadas e difíceis de serem eliminadas.
Este processo dá início ao seguinte ciclo vicioso: retenção das fezes > fezes endurecidas > dor ao evacuar > medo > retenção das fezes.
O reto, então, torna-se distendido por causa do acúmulo de fezes, levando à incontinência fecal, à perda de sensação da presença fezes e da urgência para evacuar.
Este acúmulo de fezes no reto também provoca uma diminuição da motilidade intestinal a montante, causando perda de apetite, distensão do abdome e dor.
O diagnóstico da Constipação Intestinal é realizado considerando a história clínica, o exame físico e a presença dos seguintes sinais e sintomas de alarme:
Em 1999, um grupo de pesquisadores propôs uma classificação clínica baseada em sinais e sintomas gastrointestinais para os transtornos funcionais. Com o objetivo de se estabelecer critérios diagnósticos e estabelecer uma denominação universal, era possível validar ou modificar os critérios de acordo com o processo baseado em evidências.
Este trabalho foi denominado Roma II. Nestes últimos 10 anos, as experiências baseadas em evidências levaram a novas recomendações, sendo criado os Critérios de Roma IV, o mais atual até o momento:
Transtornos gastrointestinais funcionais nas crianças e adolescentes:
A constipação funcional (CF) é a causa mais comum de constipação intestinal. Considerando-se os critérios de Roma IV, não há uma razão específica para a realização rotineira de exames propedêuticos.
Caso apenas um critério diagnóstico esteja presente e a CF não esteja clara, um exame de toque retal pode ser realizado para confirmá-lo ou excluí-lo. A realização de radiografias de abdome de forma rotineira também não está indicada.
Testes para alergia à proteína do leite de vaca não são recomendados para crianças sem sinais de alarme. O mesmo se aplica a exames laboratoriais para pesquisa de hipotireoidismo, doença celíaca e hipercalcemia.
Em pacientes com constipação intratável, deve-se pensar em doenças orgânicas como a de Hirschsprung, em que a biópsia retal é o procedimento mais indicado.
Devem incluir dois ou mais dos seguintes sintomas que ocorrerem pelo menos uma vez por semana por um período mínimo de um mês, com critérios insuficientes para o diagnóstico de SII:
Orientar, ensinar e reconhecer os sinais e sintomas relacionados à constipação intestinal é o princípio básico do tratamento. A família deve ser avisada sobre o habito evacuatório esperado para a faixa etária da criança e instruída a reconhecer o comportamento retentivo.
O início precoce de intervenções comportamentais é importante na interrupção da retenção fecal. Alguns exemplos são:
Atenção: modificar a dieta com um aumento da ingesta de líquidos e/ou do acréscimo de fibras não mostrou eficiência na melhora do hábito intestinal constipante. O mesmo ocorre na complementação com pré ou probióticos, que não parecem favorecer a resposta clínica.
O tratamento medicamentoso compreende duas etapas, e é importante que os familiares compreendê-las. A primeira se trata da desimpactação retal para aquelas crianças que apresentam retenção fecal com presença de fecalomas. A segunda é a terapia de manutenção, que objetiva prevenir o reacúmulo de fezes, utilizando uma variedade de agentes laxativos.
Revisões sistemáticas tem demonstrado que cerca de 50% das crianças em acompanhamento por 6 a 12 meses em ambulatórios de especialidade, conseguiram reverter o quadro com a suspensão do uso de laxativos. Isto demonstra que o tempo de tratamento é bem variável e, na maioria das vezes, requer um período maior de uso de medicamentos.
A família, então, deve ser orientada a não suspender por conta própria o tratamento após melhora dos sintomas, pois a reeducação do hábito intestinal pode durar mais que 12 meses.
Por fim, o polietilenoglicol sem eletrólitos é a medicação utilizada como primeira escolha, sendo a lactulose uma alternativa que tem eficácia significativa
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